Saboia, ex-encarregado de negócios da embaixada brasileira na Bolívia, conta que recebia sinais de que poderia fazer o que fez
Um diplomata dividiu opiniões em 2013 e ainda paga caro por isso. Uns o definem como herói por, há 10 meses, ter livrado o senador boliviano Roger Pinto do confinamento na embaixada brasileira em La Paz e o levado ao Brasil. Outros consideram que quebrou regras e expôs o senador a perigo, num caso que virou um documentário.
Trata-se de Eduardo Saboia, ex-encarregado de negócios da embaixada brasileira na Bolívia, afastado da diplomacia. A ZH, por telefone, Saboia conta que recebia sinais de que poderia fazer o que fez. Mais: diz que não se arrepende.
Como foi sua participação no caso que virou um documentário?A situação que enfrentei em La Paz é um caso em que o governo brasileiro decidiu dar proteção ao senador e instruiu a embaixada a dar garantias para ele ser transferido ao território brasileiro. O que fiz, depois de mais de um ano não tendo avanços, foi tirá-lo. Havia uma situação humanitária se agravando. Peguei o automóvel da embaixada e o levei ao Brasil.
As autoridades estavam a par?
A embaixada foi afastada de supostas negociações sobre o caso.
Sua ação resolveu um desconforto?Exatamente, resolveu um problema. O vice-presidente da Bolívia havia dito que o senador poderia circular pela Bolívia e não seria incomodado. O chanceler da Bolívia disse que não poderiam dar salvo-conduto, mas que o Brasil é país soberano e saberia como resolver a questão. A Bolívia ofereceu asilo ao Edward Snowden, assinou declaração em julho de 2013, um mês antes da operação, reconhecendo o direito universal ao asilo. Se você olhar essa decisão, tomada no âmbito do Mercosul, diz que nenhum país pode impedir o trânsito de um asilado ao país que lhe concedeu asilo. Enfim, uma autoridade da Bolívia (diz o nome e pede sigilo) sugeriu que retirássemos o senador. Eles fariam vista grossa. Havia sinalizações. Para a Bolívia, o asilo poderia significar que há perseguição política. Era difícil, mas era uma forma.
Havia uma situação limite?
O senador falava em se matar. Havia confinamento prolongado. Tomei a decisão por motivos humanitários, mas não de maneira irresponsável. Eu sabia que ele faria esse deslocamento em segurança, sem agressão às autoridades bolivianas, sem diminuição do status das brasileiras. Fizemos discretamente, mas às claras. Passamos por rodovias, controles, fronteira em horário comercial.
Sem sinais, o senhor faria o que fez?
Tive de tomar uma decisão em razão do drama humanitário.
O senhor acha que os presidentes dos dois países agradeceram?
A mim, ninguém agradeceu (risos). O que acho é que se resolveu um problema. Além da questão humanitária, desanuviou-se o terreno para que se prossiga o relacionamento com a Bolívia.
O Brasil chegou mesmo a pedir para ele abrir mão do refúgio?
É um episódio relatado pelo Roger Pinto no depoimento à Justiça Federal.
Quais suas lembranças do episódio?
Você imagina uma pessoa que está há 455 dias, não em uma residência de embaixada com jardim, mas em um escritório comercial. Ele ficou mais tempo dentro desse quartinho do que aqueles diplomatas americanos no Irã.
A que ponto chegaria a situação?
Não sei, mas não quis pagar para ver.
Oficialmente, o governo faria isso?
Não sei. Fiz o que tinha de ser feito.
Roger Pinto demonstra gratidão?
Sim, nos tornamos amigos.
E a sua situação, como está?
Estou de licença e espero o resultado da sindicância. Há sinais de que serei punido. Tenho muito apoio de colegas, inclusive da alta chefia, de embaixadores.
O senhor pode ir à Justiça?
Sem dúvida.
Há prazo para o fim da sindicância? Ao terminar, o que o senhor fará?
Acho que terminou, está em uma gaveta. Vou me apresentar ao Itamaraty. A licença termina, acho, em 8 de julho. Posso renovar por mais três meses.
Alguém do governo lhe disse que sua atitude removeu um problema?
Pessoas do nível mais alto do governo me disseram isso. É um paradoxo.
Na Bolívia, existe esse sentimento?
Com certeza. Nunca fui maltratado pelas autoridades bolivianas, nem antes nem depois. Encarregado de negócios deve resolver os negócios. Foi o que fiz.
O senhor se sente bode expiatório?
Não. Fiz o que achava que tinha de fazer e confio nas autoridades. Há Justiça, imprensa vibrante, que cobra cada vez mais. Assim, as coisas se resolvem.
Não tem mágoa?
Não, não tenho mágoa.
Essa sindicância era inevitável, já que o protocolo deve ser cumprido?
Era evitável, mas não me atinge. Quem fez a coisa errada é que é atingido.
Mas a sua carreira, como fica?
O que prejudica é você fazer uma coisa errada. Prolongando um problema sem resolvê-lo, isso é mau uso do dinheiro do contribuinte. Eu prestei um serviço.
O senhor faria de novo o que fez?
Faria de tudo para não estar naquela situação. Mas, se tivesse a infelicidade de voltar à mesma situação, faria de novo.
Fonte: Zero Hora (Léo Gerchmann)